Capítulo I
Se põe o sol depois de mais um dia.
Para nós que moramos
na borda do planalto para além do ponto mais alto da serra, ao por do sol segue-se
uma brisa oceânica, tal brisa é filtrada pelas franjas da mata atlântica que
retém para si a umidade e o sal passando apenas com a brisa a inspiração
vinda do oriente e penso então no que pensar, quero pensar em paz, mas não
sobre a paz. Há paz o suficiente para que eu tome posse completa e irrestrita
de meus pensamentos?
Sempre há paz no pensar, só o pensar nos afasta das
opressivas paixões que nascem do corpo e de sua exterioridade. É no território
de nossa interioridade e não em outra parte, que Reputamos e glorificamos com
honras a realidade que herdamos ao nascer.
Em sua palestra para
o curso promovido na extinta (pelo governo Collor) Fundação nacional das artes
em 1986 "Os Sentidos da Paixão" nos instrui Renato Janine Ribeiro
," em nossos dias quando se fala de paixões pensa-se em amor e
enamoramento; nos Séculos XVII e XVIII porém a paixão por excelência era
outra", e cita Hobbes: " No prazer e desprazer que sentem os homens,
devido aos sinais de honra ou desonra que lhes são tributados consiste a
natureza das paixões", isso dito em 1640.
Há paixões fora de moda, a glória, assim como a honra e a
reputação, com certeza pertencem a essa lista.
Escolho então pensar sobre essa Afecção extemporânea, a
glória. Mas não vou pensá-la como a glória dos Luízes de França, mas como a
glória geneticamente mutada, a glória neoplásica e metastática que não é mais
glória, então é o que?
O sol à moda do bom cowboy, segue sempre para o oeste faz
sempre o caminho do ocidente, a direção dos grandes descobridores, Cristovão e
Pedro vieram até a América seguindo o por de sol, sua cor dourada, uma espécie
de Aton do bulionista.
Para o oeste vão os ambiciosos, os que buscam oportunidades, é a direção que em minha imaginação leva ao
desconhecido ao que me parece sempre ser desafiador. O novo o moderno, aquilo
que é tecnológico está na posição ocidental.
Já a direção oposta é o leste de onde vem a culta
civilização, tudo o que é do mediterrâneo e além dele, veio até nosso
continente pelo Atlântico de onde o sol surge toda manhã. Vieram os
desbravadores conquistar essa gigantesca área de terra, buscavam o eterno
brilho amarelo do ouro, com eles vieram outro tipo de conquistadores, aqueles
que queriam conquistar consciências, aqueles que sabiam que a verdadeira glória
da terra são os homens, os religiosos também vieram, com seu vestir diferente
dos demais e com ambições que transcendiam o visível. Há algo mais significativo da civilização
culta para nós ocidentais que o Cristianismo? Me corrijam se assim não for.
Pois é do oriente em relação a posição onde assiste meu lar que
cotidianamente ouço sinos de uma igreja a avisar-me que o sol se oculta, tais
sinos me trazem a nostálgica sensação de despedida , não só do sol mas de todos
aqueles que partiram em direção ao desafio do desconhecido. Destes há os que
foram em silêncio, como que sentindo vergonha de estarem indo, em uma despedida
melancólica de tudo aquilo que foram capazes de construir daquilo que
aprenderam com os ventos vindos do leste. Há outros que partiram com muita dor
e sofrimento em uma divisão interna entre o ir e o ficar, pois sabiam estar
indo para uma viajem sem retorno ou comunicação possíveis, glorifico muitos
destes que foram definitivamente experimentar aquilo que tememos experimentar.
Mas há os que foram para o oeste para alcançar riquezas,
glória e honra, a cor dourada do poente talvez os tenha feito acreditar que lá
o ouro brote da terra. Assim foi com os bandeirantes, que descobriram um fluxo
d'água que ia pra o oeste, e foram em busca de seu eldorado. Singraram pelo rio
as terras de São Paulo foram para o a rio Paraná e deste muito além, queriam
riquezas, ouro pedras preciosas, guerrearam tomaram a terra dos índios, os
escravizaram queriam mais do que riquezas queria honra reputação e glória.
A glória é a
exacerbação da honra e essa é o sinônimo de reputação e reputação vem do latim:
REPUTATIO que é o mesmo que consideração "re-putare" (re) novamente, de novo (putare) pensar supor
calcular, e então, reputare: Refletir sobre, estimar, calcular.
A glória é então uma alegria exagerada pela consideração que
recebemos de fora de nós mesmos, daqueles que nos rodeiam e que nos observam,
daqueles que nos pensam como parte de sua própria realidade.
Com que voracidade dirigiram-se para o oeste os ambiciosos,
a ambição e o desejo foram fartamente distribuída aos homens pelo criador, as
unhas e os dentes todos tem em igual numero e o apetite este parece que veio do
submundo.
Quanta dor pode suportar um ambicioso malogrado, aquele que
se dirigiu para as terras abundantes e ricas, e nada conseguiu a não ser a
falência econômica e a implosão afetiva?
Tal destino pode ser intolerável ao ponto da total
desagregação social, o ambicioso frustrado não pode mais tolerar seu ambiente,
seus pares não o reputam com a medida desejada, sua honra é ferida e sua glória
inalcançável e o único poder que lhe resta é o poder sobre si mesmo, e passa a
governar-se, já que não tem o que quer dos demais, uma reputação, cria suas
próprias regras, suas próprias leis, funda então uma autarquia. É a escapatória única para a mitigação de
tamanho desconforto social. Cabe a quem busca a glória e alcança a fome e a
humilhação, ocultar-se de maneira definitiva no perambular pelo mundo. Os valores materiais o abandonaram, resta-lhe
então os valores do conhecimento experimentado em sua solidão, suas
experiências passam a ter mais valor que qualquer conhecimento formal que tenha
tido contacto a sua moralidade é aquela que lhe permite segurança,
quer ser ético, moral e virtuoso, mas
dentro da sua ética da sua moral e do que entende por virtude. Quer um retorno
à natureza, mas sem a interferência do poder e da engenhosidade humanas, pois
assim supõem proteger a sua natureza
interna. A inocência infantil também está em seu foco, pois vê a criança como o
depositário de uma natureza humana não corrompida, e por isso ética e moral e
com seus deslizes perdoados e tolerados, pois a tolerância é uma virtude do peregrino.
O arquétipo do autárquico é o peregrino. E o peregrino é simbolizado aqui como um andrajoso, que representa todas as suas
perdas materiais, com uma cuia para receber alimento dos caridosos, suas carências
físicas e afetivas estão por essa cuia representados um cão de boa índole que
representa sua ligação com a natureza e o instinto, e finalmente uma criança que o liga com a inocência, o seu modo de falar é moralista e
presunsosamente sábio.
Na prática o peregrino
moderno não peregrina salvo sua constante mudança de atividade e residência, não
é proprietário e não quer ser, não tem carreira e não quer ter, vê a si mesmo
como uma espécie de messias que tem por missão mostrar que seu estilo de vida é
a verdade que supõe ser um talento inato. Está sempre disposto a receber
benesse do poder público como o bolsa isso e bolsa aquilo gosta muito de
medicamentos, se auto medica com muita facilidade e indica medicamentos aos
outros pois acredita ter um conhecimento apriorístico em medicina, chás, banho
com infusão de ervas, banhos com sal grosso e outras inconsistências fazem parte
de seu arsenal terapêutico, acredita que a piedade é o mesmo que bondade e aliviar
temporariamente o sofrimento alheio é o mesmo que curar a doença. Outro tema
muito freqüente é o abandono de um caminho profissional, muitas das vezes promissor, para buscar uma
atividade como funcionário público, um desejo de integrar-se na massa amorfa e anônima do estado pois parece-me que estaria se apossando de
parte da infindável e gloriosa riqueza que lhe teria sido tomada, um retorno ao absoluto depois de uma desistência diante da individuação e da personalização.
Ninguém cria filhos como um peregrino, a criança que acompanha o
peregrino no símbolo arquetípico, não é um novo indivíduo em formação , mas a
extensão da própria infância do peregrino, assim o autárquico que chamo aqui de
peregrino, tem uma relação de posse dependente com a criança. Posse dependente,
por exemplo é a relação que temos com nossos órgãos vitais, o coração é um
órgão vital, nós o possuímos e somos dependentes de sua boa função, o peregrino tem a criança como um órgão vital
como uma parte de si sem a qual a própria existência corre risco , a criança é
o passado reconstruído é a apresentação do que foi o peregrino quando criança e o peregrino pode esquecer assim o que foi
sua infância de fato, uma infância da qual não quer se aproximar
verdadeiramente. O autárquico incomoda-se quando alguém interfere na sua
ligação com os seus filhos, em quem quer corrigir tudo quanto supõem, o peregrino, ter sido
equivocado na sua infância. Ninguém tem o direito de dizer como devo educar
meus filhos dirá o autárquico enquanto tortura sua criança expondo-a riscos desconsiderando
sua vulnerabilidade. É muito comum a freqüente a substituição de escolas pois qual
professor ou escola estará a altura do "eu infantil exteriorizado na
condição de filho"? Só a escola forte esta a altura do meu filho. Mas há
necessidade de força para se educar alguém? Seriam realmente as escolas ruins? Reputo
que a escola como toda instituição apenas atende os anseios da clientela que a
é razão de sua existência e quem conforma seus limites.
Somos todos evolucionistas, mesmo aqueles que se declaram
criacionistas, são em seu comportamento diário evolucionistas, e não é difícil
defender essa tese, já que estamos sempre a espera de novas competências para os produtos
industrializados que nos atendem em nossa eterna busca pela felicidade, a um
conceito industrial que está completamente incorporado em nosso viver
" nada é o suficientemente bom que não possa ser melhorado". O que é
essa frase se não evolucionismo? Pois sim, não é que os autocráticos também
evoluem, alguns deles não permanecem na condição de peregrinos, dão um salto a
diante, tornam-se cínicos.
No meu entender um cínico é um autocrata instintivo e
errante que se libera de regras sociais e econômicas como aquelas da etiqueta,
alias os peregrinos odeiam etiquetas, entre outras afrontas ao respeito, que é
o escopo da etiqueta, adoram palavras de pouca respeitabilidade e se justificam
dizendo que são autênticos... mas o nosso assunto agora são os cínicos.
A pedra de toque que transforma um autocrata em um cínico é
o afrouxamento do comportamento moral para reforçar o seu discurso demagógico e
moralista. O Cínico faz qualquer coisa para dar credibilidade às suas palavras,
hordas e hordas de peregrinos anseiam por discursos virtuosos e moralistas
proferidos pelos cínicos, não teria nascido assim o nacional socialismo? Não
foi o nazismo o apogeu do cinismo? O autocrata é em si mesmo um ditador, não alcança a interioridade de ninguém, consegue apenas a identificação projetiva que tem com seus cínicos
ditadores, todos unidos em busca da glória perdida. O autocrata idealiza um salvador e o cínico
se apresenta como tal, uma ditadura com amplo apoio da população nada mais é do
que a coletivização da autarquia.
O futebol é uma quase religião, mais que uma manifestação social ou política. Nas
torcidas dos grandes times de futebol... A massa flamenguista ou corinthiana
invadiu o estádio do adversário em um país estrangeiro ou a grande nação
vascaína ou santista comemora a impiedosa vitória sobre um rebaixado palmeiras.
O termo massa se refere a alguma coisa não pensante e sem forma sem características,
não há vontade própria quando estamos imersos no espírito de rebanho, a idéia
de nação é um conceito que particulariza um determinado grupo de pessoas a
partir de um universo maior. Há vitoriosos ou perdedores nesse mundo fechado,
de baixíssima transparência do futebol? O que há de fato é um grande número de pessoas
ávidas por crenças lançadas para o futuro, um diálogo entre a competência
atlética e o desafio de superar a competência atlética de outra bandeira, de outra
nação, de outra fé. Mas a competência e o desafio pertencem ao atleta e a regra é explícita
só são admitidos vinte e dois jogadores
em campo. O que faz alguém em posição
individual se misturar com a massa, diluir-se nela, renunciando á própria
autonomia? Está buscando um cínico que de maneira imoral, pois trata-se de uma
falsidade diga-lhe que tudo aquilo é muito importante, que é respeito próprio
ser respeitado pela bandeira adversária e é importante sentir-se vitorioso em
conjunto com seus pares e que congregam a mesma fé. Os autárquicos evoluídos que já não querem mais um
emprego público, querem o controle do público ( a ambigüidade de sentido é
proposital) que aferem lucro e poder manipulando com discursos falsos de encantamento
por uma bandeira que afinal representa uma pseudo nação, uma pseudo religião e que em verdade não
passa de um conjunto de autárquicos que não
se consideraram merecedores de qualquer glória, parasitam a glória de um
punhado de atletas que de modo geral pouco tem a oferecer além de uma atividade
que prescinde de grande valor em seu íntimo.
A religião é a primeira manifestação cultural que o homem
experimentou, talvez a única, não importa qual seja a religião, um ser humano
não existe, na categoria humano, sem uma religião. Entendo a religião como a
manifestação da ligação da subjetividade com a objetividade, a realidade
interna buscando contacto com a realidade externa. Sem religião não há como comprovar para nós
mesmos que existimos, a existência é um ato de fé, cremos que existimos pois
algo nos apóia para alcançarmos essa condição. Nossa primeira religião é o
corpo de nossa mãe, somos nela em corpo, em objetividade e com ela em
subjetividade e essa experiência é
posteriormente entendida como uma sensação somática difusa que denominamos amor(
esta será a única vez que usarei essa palavra no texto que transcorre dada a
inexatidão dela no contexto do tema.) Cabe a mãe e não a outra entidade o
convite à criança em descobrir outras possibilidades religiosas, o novo ser
quer compreender-se no mundo, quer ligar-se a ele, e cabe a mãe mostrar que o universo
social é a outridade que lhe diz respeito.
Eis pois o único antídoto para o colapso subjetivo diante do fracasso; A
religião. Assim o materialismo se de alguma maneira
possibilitar a ligação subjetivo-objetiva é religião a ciência da mesma forma,
não só as religiões tradicionais, mas também elas podem ser classificadas como "o
caminho", todo caminho que leve a união da subjetividade ao corpo e às
suas possibilidades sensoriais de atenção, percepção e compreensão é religião,
nós apenas escolhemos a nossa maneira de termos fé mas todos necessariamente a
temos.
A religião do cínico é o cinismo, sua fé está nas muitas
maneiras de manipular a frágil fé do autárquico que por ter perdido a honra e
não é reputado, não entra nas considerações dos demais, e assim torna-se um
moralista que não introjetou a moralidade. Por sua vez o cínico que é a "evolução"
do autárquico tem sua fé fortemente apoiada na imoralidade. A manipulação é a maneira cínica de interação
subjetivo-objetiva.
O cínico cria fantasmas persecutórios como por exemplo o
final dos tempos as obsessões, os demônios e todo tipo de perigos dos quais não
tem como se defender o autárquico, para que o peregrino autárquico fique sob o controle de suas
receitinhas "poderosas" contra tais males.
O casamento do cinismo com as religiões tradicionais dispensa qualquer
outra explicação, os fatos estão nos jornais.
Enquanto o peregrino tem uma relação de co-dependência com a
criança e no intuito de manter essa relação desrespeita a fragilidade de um vulnerável, o cínico da um passo à
frente, e em seu delírio imoral cria a hedionda eugenia. O nazismo que talvez
seja a mãe de todos os cínicos modernos tinha um programa, uma lista
sistematizada de objetivos, e o programa do partido nazista é claramente
eugênico do seu quarto ao oitavo item, (essa repugnante declaração de intenções
é facilmente encontrada na internet.) E qual a finalidade da eugenia, a falsa
percepção que os filhos dos autocráticos são especiais e super protegidos , na
realidade se trata de uma grande reserva de humanos submissos e prontos a se sacrificarem
em qualquer tipo de tarefa pois tem a ilusão de que um símbolo, uma bandeira ou
um sobrenome é por si só a marca de uma
identificação de superioridade congênita, e aquele que foi incluído na lista
dos escolhidos sente-se superqualificado e fará de tudo para não decepcionar o
grupo. A conseqüência real disso na Alemanha hitlerista foi a de que após terem
sido usados para criar a máquina de guerra mais poderosa de seu tempo com um alto
custo social e econômico, o povo e principalmente os mais jovens foram levados
para a morte nas frentes de batalha, a eugenia não passa de reserva de mercado
para carne humana.
Outra forma de eugenia mais atualizada é a tal produção
independente, a mulher quer ser mãe partenogenética, larga o ursinho de
estimação em pelúcia e realiza uma
maternidade autocrática. Afirma para todos que gerou e deu à luz um filho, mas
nada fez além de produzir um comcepto, o conjunto de uma criança e seus anexos,
penso agora que até menos que isso, pariu uma commodity. Dessas traquitanas de baixo preço que eventualmente esquecemos no carro sob o sol ou que são colocadas sobre o tanque da motocicleta a caminho de algum lugar, já que o tempo urge, estamos sempre atrasados. E cria o seu filho-commodity
dentro de um ambiente uni- familiar, sua família de origem, como se houvesse
apenas "o bom material genético" e com aquele maravilhoso sobrenome
de que tanto se orgulha, em resumo; Eugenia.
A grande arma dos cínicos é a palavra e o convencimento por
sofismas e ilusões, o cínico tem um lema, "jamais sujar as mãos"
ainda que alguns cínicos nunca tenham declarado a si mesmos esse lema eles o
tem como o primeiro de seus mandamentos. Mas para não sujar as mãos, os cínicos
precisam utilizar os serviços de um grupo que tem crescido muito, os seres das
sombras, os perversos. E quem é o perverso? Se o autárquico é moralista e o
cínico é imoral o perverso é amoral, para ele tanto faz qualquer código de
conduta, simplesmente não o cumprirá, e
esse descumprimento já é satisfatório, quando quer alguma coisa , o perverso
vai lá e pega, se quer destruir alguma coisa vai lá e destrói, por ser
completamente desprovido de prudência, está sempre escondido, vive nas sombras
e só sai delas para prestar serviços aos cínicos.
O perverso, não presta serviços aos cínicos simplesmente por que tem um compromisso, ou algum tipo de contrato ou mesmo porque vão ter algum lucro com isso, os seres das sombras não se incomodam com
isso, atendem aos cínicos pois esses os protegem, ocultando-os do mundo e de suas
luzes. Para a medicina os perversos já estão na categoria de patológicos, mas
não estamos tratando de medicina, estamos apenas pensando em paz, e como já
disse no começo... mas não sobre a paz.
Ao leste de onde estou agora, ouço diariamente os sinos
anunciarem o por do sol que está acontecendo silenciosamente do lado oposto ao
da igreja, no entanto silêncio para meditar no Ângelus é um luxo, com freqüência
um cão faz um dueto dissonante com os eclesiásticos sons. Quanto os cães já
latiram para os sinos? Os cínicos assim como os cães se irritam com o que é
oriental, culto, sublime, com aquilo que é conseqüente e organizado, com aquilo que nos propõe o pensar e a busca pelo que é real e verdadeiro. Os cães
após seu protesto, recolhem-se a seus abrigos, aos seus paninhos imundos,
por serem irracionais não podem enlouquecer, ficam ali guardando com feroz disciplina o completo desconhecimento do que é o mundo em que vive. Já os cínicos vão buscar os habitantes das sombras, aqueles que não
mais suportam a luz do amanhecer, ou qualquer outra forma de iluminação, ainda que seja a falsa luz dos cínicos e nas sombras sempre estão e delas já não
conseguem mais sair, os cães estão em melhor condição, pois não enlouquecem enquanto os seres das sombras não conseguem mais sair da loucura.
Os cínicos conhecem a luz e a distorcem para seus propósitos
imorais, e aguardam a penumbra e a noite para solicitar serviços para aqueles que a
evitam. Há ainda um ser intermediário que se apresenta ao por do sol, é também um
autárquico, conhece os habitante das sombras e não se interessa muito em ter
com eles, mas assim que se anuncia o por do sol se põem a beber, são os cínicos
beberrões, que o mais rapidamente possível se embebedam para matarem toda
alegria vivida durante a luz do dia, e anseiam por um novo dia sem qualquer memória
do dia anterior e de amnésia em amnésia, afastam-se do gozo daquilo que mais os
atormenta, a felicidade, a deles e por "solidariedade" a dos outros.
O anoitecer nos leva aos nossos lares que deveriam ser mais aconchegantes do que tem sido.
Paro aqui meu pensamento.
Mas porque pensei o que pensei?
Ao pensar sobre algo pensa-se sobre o que não se tem, uma conclusão
que não se tem , uma resposta que se deseja e que ainda não se atingiu, mas se
há algo que tenho é a possibilidade do meu pensar e a segura paz que o pensar
me proporciona, paz tenho-a em abundância.
Já me roubaram muito na vida e estão a me roubar
inescrupulosamente instante após instante, a rapina é feita com unhas de
harpia, afiadas e poderosas. E aí estão o poder vigoroso e implacável das unhas
federais e estaduais que não são menos afiadas que aquelas do município, essas não
tão poderosas mas indignam por serem mais facilmente visíveis. Roubam-me o
tempo em infindáveis congestionamentos, em filas, e nos tele- atendimentos cada
vez mais automatizados e ineficazes, não há somente as unhas fortes e afiadas a
me roubar mas suaves mãos de unhas cuidadas também o fazem, mãos que digitam
veloz e decididamente meias verdades, que são o mesmo que completas falsidades
a serem publicadas diariamente em todas as mídias, roubam-me a verdade. Roubam-me
a paciência quando me ocultam respostas para decisões precipitadas e não
devidamente explicadas, talvez por serem inexplicáveis.
Mas a paz não me
roubam, pois ainda tenho o meu pensar...
Capítulo II
Quando eu era menino, uma série em animação foi lançada,
chamava-se Jonny Quest, tratava-se das aventuras de um menino filho de um cientista
e que tinha um amigo indiano que fazia
mágicas e que estava sempre de turbante. Em um dos episódios que revi
recentemente, o garoto indiano que chama-se hadji mergulha em águas tranqüilas de
uma região tropical, mas o estranho é que o menino mergulha de turbante, e eu
pergunto, mas há alguém no mundo que mergulhe de turbante? Como é que eu aceitei esse absurdo quando criança? Já estavam a me convencer em aceitar o inaceitável, roubaram me o senso crítico, roubaram me a lógica, querem que eu comungue com a loucura e abandone-me, querem que eu não tenha a coragem de gritar: O REI ESTÁ NU! E COM O RABO CHEIO DE DÓLARES. Quero de volta a minha possibilidade da glória de ser honrado e ético e ser considerado como alguém com a reputação de ser honesto e generoso, não quero mais ter um autocrata, de ética subjetiva como paradigma de civilidade de moralidade e de ética, pois a ética subjetiva não é ética alguma, não quero mais ser conduzido por cínicos, que querem me convencer que suas ideologias são superiores às minhas próprias ideias. Tenho o desejo de ter a possibilidade de crer em meu semelhante como alguém também honrado e honesto.
Capitulo !
Questiona-me então o leitor mas e o Papai Noel do título?
Por ser natal ficou com o saco cheio... de ouro do tesouro público, e com seu filho continuador de seu destino cínico foi ao Japão torcer pelo
CORINTHIANS.
Feliz Natal!