terça-feira, 23 de agosto de 2011

Pedra ou Solução


        Quando voltou a seu laboratório, após uma ausência de alguns dias, o Dr. Alexander Fleming, constatou que esquecera algumas placas com bactérias cultivadas (estafilococos para ser pedante), sob uma pia. Por consequência deste descuido o bolor apoderara-se do ensaio, um desperdício.                  
        Antes de lançar tudo fora, notou que onde havia crescimento do bolor não existia crescimento bacteriano, e naquele dia foi para casa com a sensação que algo se interpunha em seu caminho. Logo iria perceber que dera uma topada na penicilina, inaugurando a era dos antibióticos, nunca mais a medicina seria a mesma...
        Como que a perceber um universo que se instabilizava em mais uma crise de paradigmas, publicava naquele ano o itabirano Drummond:

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.

         Em Paris como que ouvindo os prantos de Drummond obsessivamente repetidos, Maurice Ravel estreia seu monotonamente lamurioso bolero, que com seus quase quinze minutos de duração seria insuficiente para preencher de som os dezessete minutos do um cão andaluz de Buñuel e Salvador Dali que assim levaram seu surrealismo aos cinemas.
         Tudo isso ocorria enquanto no Brasil, pagava-se com os réis; Inclusive as primeiras 64 paginas em papel cuchê de O Cruzeiro, que acompanharia Getúlio Vargas, ao longo de toda sua carreira política, e que nesse ano deixava o ministério da fazenda de Washington Luiz para ser o Governador eleito do Rio Grande do Sul e acarpetar seu caminho de volta ao Catete, para instalar-se, prolongadamente, no palácio das águias, que na realidade são condores; Assim como Mickey não era um ratinho e sim um camundongo, criado por Walter Disney, que utilizou o personagem na nova tecnologia do cinema sonoro, tantas novidades em um mundo que como hoje, e talvez como sempre, procurava explicações para tanta desigualdade social.  
Macunaíma é publicado no eco de todos esses acontecimentos, não menos satírico que a ópera dos três vinténs. Tanto Brecht quanto Mário de Andrade criticavam a burguesia, que, no entanto parecia gostar na linha do falem mal, mas... O idealista Guevara que, estava nascendo então, para ser futuramente, um sucesso de mídia mais do que um eficiente comandante; Uma pedra no futuro caminho do socialismo, tão promissor naqueles tempos.
          A burguesia sempre a mesma... Oportunista.
          Os idealistas sempre os mesmos... Auto-sabotadores.
          E o povo, ora o povo... sempre o mesmo, querendo que os idealistas os conduzam até a opulência e a felicidade da burguesia, mas sem esforço. Um é a pedra no caminho do outro.
          Ao extrair uma substância parecida com o açúcar da glândula suprarrenal de um boi o húngaro Albert Szent-Györgyi isolou cristais de um acido que tinha características semelhantes às da vitamina C o que foi posteriormente comprovado, o irônico é que a pesquisa não buscava nada que se relacionasse ao escorbuto ou às vitaminas. Mais um tropeço na pedra do caminho.
          Assim, nesse ritmo foi o ano de 1928, o décimo ano após a primeira grande guerra, o ultimo ano antes da crise de1929, que foi uma grande pedra no caminho e que teve importância na geração da maior das pedras, a segunda grande guerra, que foi explodida pela bomba atômica, mas seus estilhaços nos atingem até hoje. Um ano muito especial para o século vinte esse 1928. Um ano muito especial para mim, pois nesse ano nasceu meu pai, que me teria como a pedra em seu caminho, no espírito dialético de Drummond, vinte e oito anos depois.
       Hoje no tão aguardado futuro, reconhecemos nossas cicatrizes, resultado dos tropeços nas pedras do caminho, olhamos um nos olhos do outro, e constatamos que somos mais uma rima do que uma solução.

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