quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Carta à Minha Mãe

           

             Muitas vezes, minha querida mãe, estive a ponto de escrever-te para te consolar: sempre me detive. Muitas considerações levaram-me a ousar: principalmente, pensava que teria esquecido todas as minhas preocupações, se tivesse conseguido secar por um pouco tuas lagrima, embora não podendo enxugá-las por completo: além disso, tinha certeza que se conseguisse antes confortar a mim mesmo, minhas tentativas de tirar-te da prostração teria sido mais eficaz; enfim de qualquer maneira, pondo a mão sobre minha chaga, era levado a querer curar tuas feridas.
              Muitas outras razões, de outro lado afrouxavam esse meu propósito: compreendia que não devia afrontar tua dor ainda recente e ardente, para evitar que os confortos a exasperassem e a aumentassem, visto que também nas doenças nada há mais danoso que um remédio intempestivo. Esperava, portanto que a violência da dor se quebrasse, e que mitigada pelo tempo a ponto de suportar os remédios, permitisse ser tangida e reparada. Mais ainda, com quanto folhasse todas as obras compostas pelos mais ilustres gênios para acalmar ou pelo menos aliviar as dores, não encontrava exemplo algum de alguém que tivesse consolado seus queridos. Hesito e temo ser incapaz de consolação, mas de excitação à dor. Temo minha insuficiente competência, mas a enfrentarei olho no olho, pois como sempre fiz nos momentos mais difíceis, me apoiarei no teu amor. Olha quanta confiança tenho no afeto que contigo aprendi.
              Enfrentar com o gládio em riste, ou recuar com o escudo ás costas? Qual o caminho diante da indiferente e enfurecida fortuna, que é como a velada e inconstante lua. Talvez se eu fechasse meus olhos e sonhasse, poderia me remeter à tempos de plena felicidade, e hoje sei que já a tive nas mãos,assim sonhando como os delirantes poetas me entorpeceria com palavras e imagens e nenhuma dor mais me alcançaria, e então consolar a tua dor,e no entanto, a dor está aí ,presente por onde quer que eu vá. Ainda que eu esteja no feérico mundo dos devaneios a dor me desperta me arrastando para o mundo fenomênico.
             Tantas foram a lições que aprendi com tua ação ao longo da vida mas aquela  que se adequa ao que quero dizer é : de um punhadinho de argila se deve fazer um elefante. Ou, se não se tem cola , vai de cuspe. Em outras palavras não interessa se os recursos são parcos o objetivo será atingido.
             Não busco resignação ou conformismo, assim estaria te oferecendo aquilo que você me ensinou a não aceitar, a auto comiseração, mas a minha busca é pelo alívio.

             O aprendiz que se fere superficialmente na lida de sua atividade, assustado, oculta por temor a região atingida, ou se encolhe de medo diante do ferramental médico. Já o veterano mesmo acometido por um profundo ferimento,tolera paciente os desconfortos gerados por seu infortúnio. Com a maturidade entendemos que quando estamos diante do desconhecido, não sabendo como nos curar de uma ferida, tolerar a intervenção de quem o sabe é sensato. Mas minha mãe, a simples tolerância a dor que te aflige é consolação? Aqueles que afirmam que o passar do tempo é o único remédio seriam bons conselheiros?
             Tolerar é renunciar ao poder de agir... Assim toleramos, quando não reagimos aos caprichos de uma criança ou as posições de um adversário. Mas isso só é virtuoso, se superarmos nosso próprio interesse, nosso próprio sofrimento. Não há tolerância quando nada se tem a perder. A férrea força de vontade, está sempre com aqueles que precisam superar os males dos outros. Só quem se viu diante do corpo inerte de um ente amado em um esquife, enquanto um jazigo aberto aguarda a definitiva separação, ainda mais, quando esse corpo é de um filho, sabe que a tolerância tem limites. Tolerar é se responsabilizar: A tolerância que responsabiliza o outro já não é tolerância. Desta forma, se eu disser para que toleres a tua dor , não te estarei consolando mas pedindo que te responsabilizes por um horror de que és vítima.
                O alívio não está na resistência heróica da renuncia de si mesmo, que nos obriga ao auto engano, nos obriga a insinceridade auto infligida, que se organiza em um imbricado caudal de fraudes,que irão pouco a pouco mutilando nossa identidade.
                Mãe, me apóio ainda hoje nas tuas lições. Uma delas revisita a minha consciência frequentemente: “Se simples como a pomba e prudente como a serpente”. Sei que esta singela frase pertence ao corpo das sagradas escrituras, mas sei também, que a tomastes porque conheces a extensão de seu valor. Tanto com tão pouco... A prudência não reina, mas governa com modéstia; a justiça, a temperança e a coragem. A temperança é uma palavra pouco usada em nossos dias, e seu significado ainda menos, para o que quero dizer posso substitui-la por moderação, mesmo sendo um sinonimo parcial. A moderação imprudente é tristeza, que  é a dor calada e não o alívio que busco te oferecer. Quanto a coragem serei breve: a prudência decide a coragem provê. A justiça não existe, ela precisa ser feita. Quem a fará? Jamais a vítima! A dor nos priva dos sentidos, ficamos literalmente cegos de dor, surdos para advertências. quem esta tomado pela dor não faz justiça, se vinga.
                Lembra-te certamente quando na minha adolescência a perturbei com a minha perplexidade diante  do príncipe Hamlet que atormentado pela morte de seu pai buscou fazer justiça; Mas sua falta de prudência construiu uma tragédia. Pois é, nunca te agradeci pela prudencia com a minha perplexidade. ( era demasiada perplexidade...)
                Mas … talvez...vê, estou perplexo com a minha perplexidade. De fato não é prudencia que devo agradecer mas a tua misericórdia. Sempre afirmas, e com fereza no olhar, que teus filhos jamais  te decepcionaram, ora... Não sou e não fomos tão especiais assim. Nada houve em nós que não pudesse ser encontrado em qualquer homem de bem. Conheço-te. Sei que enquanto lês este trecho desaprova-me, mas astuto que sou, rebato tua desaprovação com uma pergunta.
O que em mim não perdoarias? Sempre perdoastes a teus filhos, por isso te parecem tão perfeitos. Misericórdia? Não. Amor! O amor dos pais a tudo perdoa, e sempre perdoa. Os filhos sim tem dificuldade em perdoar a seus pais. Cabe aos filhos perdoar aos pais. Se puderem, ou quando puderem. Perdoar  o que? Amor e egoismo demais, amor e tolice demais, amor e espectativas demais, amor e amor e amor demais e até perdão demais. É necessário perdoar aos pais. Que outra coisa é tornar-se adulto? 
Amor demais... Eis um desafio. Se o buscamos é porque o queremos, e se o temos ainda mais queremos. Se o queremos mais, e mais, e mais, quanto  amor será demais?
               Uma imagem construo agora em minha mente; Um embrião ou menos que isso, um ovo nas entranhas de sua mãe, tão insignificante que a ciência e o direito, não o consideram pessoa; O corpo mais simples que o ser humano experimentará em toda sua jornada. Não há espaço o suficiente nesse ser para amor demais. Então quanto amor poderia ele estar pedindo? SE COMIGO, NÃO POSSO SER APENAS POR MIM MESMO, TUA EXISTÊNCIA É-ME IMPRESCINDÍVEL. (É tão simples esse nosso personagem que as maiúsculas, lhes darão algum destaque) Aí está o amor posto em sua exata medida. Ser com o outro.
               Minha mãe, chegamos a tua outra lição: A simplicidade. É o contrario da duplicidade, da complexidade, da pretensão. Por isso é tão difícil. É sempre complexo o real, que só é real pelo entrelaçamento em si das causas e das funções. O Pensar é pretensioso. A tolice, a inconsciência , o nada, que outra coisa são se não simplicidade? Uma coisa não pode ser duas ao mesmo tempo, ou é isto ou aquilo...Assim o contrario de ser é o duplo, e o contrario de simples é o falso.  A simplicidade é desprendimento, liberdade, leveza, transparência, haveria transparência maior que a quela da simplicidade infantil?O simples é aquele que não simula,que não presta atenção(em si, na sua imagem, na sua reputação), que não calcula, que não tem artimanhas nem segredos, que não tem segundas intenções,programas, projeto. O mundo é seu reino e lhe basta. O presente é sua eternidade.
              Mas como ser simples em um mundo tão complexo? Vivemos em um mundo de respostas sem perguntas. Não perguntamos nada e vem alguém nos explicar alguma coisa que não sabíamos e agora devemos saber ,no entanto talvez não precisássemos sabe-lo. Se a fortuna ou o infortúnio nos alcançam, somos tomados de um imperativo interior que exige uma explicação. O simples, aceita e não sofre. Contemplar a si próprio, é a única forma de nada ter que explicar a nos mesmos.
             De tuas magistrais lições, que agora posso resumir em: De pouco, muito.  Simplicidade e prudencia, tirei as condições de enfrentar os titânicos desafios que a vida vem me oferecendo. És um sino de ouro cujo som absoluto acolho.
             Os instrumentos musicais, são maquinas que produzem o intangível transitório, o som. Um piano por exemplo, é capaz de infinitas combinações sonoras, e tais sons em mistura com silêncios e amalgamados pelo tempo produzem o deleite das musas: A música. O sino é com certeza o mais simples de todos os instrumentos musicais. Todo patrimônio de um sino é uma única nota musical. Em sua simplicidade o sino não é um instrumento humilhado, seu lar é o lugar mais alto das igrejas e catedrais, mas é um instrumento humilde, está a maior parte do tempo silencioso. De sua posição tudo observa mas não se impõe,o que lhe da credibilidade ao tanger. Assim... Sua música é um único som, imponente e profundo, seguido de extenso silêncio.
Teu saber mãe, me conduziu até a simplicidade, e eu agora dou um passo adiante, te convido a vir comigo até o silêncio.
             Quem se cala muitas vezes passa por sábio, ainda que tolo. Silenciar não é o mesmo que calar, O calado pode estar ocultando sua ignorância, seu despreparo sua estultícia, e então … Simulando sobre sua condição. Ninguém é capaz de mentir em silêncio. Falar em demasia é uma forma ardilosa de calar, simular, e ocultar. Falar e silenciar não se excluem, já que não se relacionam. Não queremos a complexidade do mundo em que vivemos, estamos perdendo muito, no entanto continuamos a complicar,  se resistimos ao que é composto temos horror ao simples, não porque é simples mas porque o simples nos conduzirá ao silêncio e isso é apavorante. Tememos embarcar em uma barrica no volumoso rio da simplicidade em direção ás cataratas do silêncio,e daí para o nada. 
            O auge da simplicidade é o silêncio, não seu paroxismo. O silencio é o que permanece quando nos apartamos do dispensável.  Estamos em silencio quando estamos apenas com o indispensável. Medo, raiva, dor emocional, angustia, ansiedade, ódio, ira, cobiça ,inveja, perdas, ganhos, culpas, preguiça ,avareza,etc.etc.etc...Tudo isso são vozes que nos atormentam, observam,   obsedam,obstruem, e obscenizam. mergulhe no silencio e elas se calarão.
             Quanto palavrório para quem busca o silêncio, Não é mesmo?
Como apesar das minhas dúvidas iniciais, consegui chegar onde queria, posso então simplificar tudo em uma única frase:
                                       E, a simplicidade a consolou.

                                              Um amoroso beijo de seu filho Sérgio.
 De minha parte SILÊNCIO, é o que se segue...








quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Mente e coração


Olhos... Luz da mente.
Olhares de cá e de lá.
Alhures são muitos, um par para cada um.
Olhos que observam, obsedam. Obstruem, obscenizam.


Olhares escultores. Será o que quero!
Olhares intrusivos veem por nós.
Inimigos por trás dos olhares

Coração... Estados d’ alma.
 Às vezes lento, outras rápido.
Lateja e prossegue em oscilação obsessiva
Anseia, odeia, repudia, ressente.

Corações frios, empedernidos, indiferentes.
A única testemunha interior não se cala... Finge.
Inconfessável é o desejo.

Olhares ansiosos, corações vorazes.
Doentes; Veem o que querem ver.
Corações e olhos; Ao espírito mentem.
No coração um segredo; No olhar cobiça e mentiras.

Temerário é o olhar cordial.


terça-feira, 23 de agosto de 2011

Pedra ou Solução


        Quando voltou a seu laboratório, após uma ausência de alguns dias, o Dr. Alexander Fleming, constatou que esquecera algumas placas com bactérias cultivadas (estafilococos para ser pedante), sob uma pia. Por consequência deste descuido o bolor apoderara-se do ensaio, um desperdício.                  
        Antes de lançar tudo fora, notou que onde havia crescimento do bolor não existia crescimento bacteriano, e naquele dia foi para casa com a sensação que algo se interpunha em seu caminho. Logo iria perceber que dera uma topada na penicilina, inaugurando a era dos antibióticos, nunca mais a medicina seria a mesma...
        Como que a perceber um universo que se instabilizava em mais uma crise de paradigmas, publicava naquele ano o itabirano Drummond:

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.

         Em Paris como que ouvindo os prantos de Drummond obsessivamente repetidos, Maurice Ravel estreia seu monotonamente lamurioso bolero, que com seus quase quinze minutos de duração seria insuficiente para preencher de som os dezessete minutos do um cão andaluz de Buñuel e Salvador Dali que assim levaram seu surrealismo aos cinemas.
         Tudo isso ocorria enquanto no Brasil, pagava-se com os réis; Inclusive as primeiras 64 paginas em papel cuchê de O Cruzeiro, que acompanharia Getúlio Vargas, ao longo de toda sua carreira política, e que nesse ano deixava o ministério da fazenda de Washington Luiz para ser o Governador eleito do Rio Grande do Sul e acarpetar seu caminho de volta ao Catete, para instalar-se, prolongadamente, no palácio das águias, que na realidade são condores; Assim como Mickey não era um ratinho e sim um camundongo, criado por Walter Disney, que utilizou o personagem na nova tecnologia do cinema sonoro, tantas novidades em um mundo que como hoje, e talvez como sempre, procurava explicações para tanta desigualdade social.  
Macunaíma é publicado no eco de todos esses acontecimentos, não menos satírico que a ópera dos três vinténs. Tanto Brecht quanto Mário de Andrade criticavam a burguesia, que, no entanto parecia gostar na linha do falem mal, mas... O idealista Guevara que, estava nascendo então, para ser futuramente, um sucesso de mídia mais do que um eficiente comandante; Uma pedra no futuro caminho do socialismo, tão promissor naqueles tempos.
          A burguesia sempre a mesma... Oportunista.
          Os idealistas sempre os mesmos... Auto-sabotadores.
          E o povo, ora o povo... sempre o mesmo, querendo que os idealistas os conduzam até a opulência e a felicidade da burguesia, mas sem esforço. Um é a pedra no caminho do outro.
          Ao extrair uma substância parecida com o açúcar da glândula suprarrenal de um boi o húngaro Albert Szent-Györgyi isolou cristais de um acido que tinha características semelhantes às da vitamina C o que foi posteriormente comprovado, o irônico é que a pesquisa não buscava nada que se relacionasse ao escorbuto ou às vitaminas. Mais um tropeço na pedra do caminho.
          Assim, nesse ritmo foi o ano de 1928, o décimo ano após a primeira grande guerra, o ultimo ano antes da crise de1929, que foi uma grande pedra no caminho e que teve importância na geração da maior das pedras, a segunda grande guerra, que foi explodida pela bomba atômica, mas seus estilhaços nos atingem até hoje. Um ano muito especial para o século vinte esse 1928. Um ano muito especial para mim, pois nesse ano nasceu meu pai, que me teria como a pedra em seu caminho, no espírito dialético de Drummond, vinte e oito anos depois.
       Hoje no tão aguardado futuro, reconhecemos nossas cicatrizes, resultado dos tropeços nas pedras do caminho, olhamos um nos olhos do outro, e constatamos que somos mais uma rima do que uma solução.